Lara Jacinto, vencedora do prémio Novo Talento Fnac Fotografia 2011



Lara Jacinto é a vencedora do prémio Novo Talento Fnac Fotografia 2011 com o trabalho “Arrefeceu a cor dos teus cabelos”, perante 256 trabalhos apresentados.

Constituído por 16 fotos, é revelado ao observador um lado menos perceptível de nós mostrando a fragilidade e vulnerabilidade do ser humano perante o tempo tanto como o sentimento de perda e impossibilidade de repetição. A elevada carga psicológica presente na sequência de fotos da autora revela os danos que o tempo causa nas relações, no corpo, no próprio espaço sendo que acaba por documentar uma introspecção pessoal, o reconhecimento e percepção do "eu" feita pelos protagonistas. 

Por fim, tudo é colocado em causa e nada pode escapar desde o espaço e tempo incertos às consequências irreparáveis da evolução. A autora leva-nos ainda a reflectir sobre "o que eu sou" versus "o que vêem de mim", onde há um confronto de opiniões e um clima de tensão presente de foto para foto. Melancolia e desilusão são sentimentos que estão inconfundivelmente presentes em toda a concepção da narrativa.

Onde se atravessa a barreira entre o real e a ficção neste trabalho? Só a própria autora poderá responder melhor a estas questões, numa entrevista que, amavelmente, acedeu fazer ao blog The Concept of 'Purpose'.





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(B): Licenciada em Design Multimédia, formada em Fotografia no IPF (Porto), estagiou no Público, colaborou com a revista Vice; o que levou a Lara a escolher a área da fotografia perante um mercado tão escasso e que atravessa enormes dificuldades?
Lara Jacinto (LJ): Na verdade, o momento em que decidi abandonar o emprego que tinha como designer e dedicar-me à fotografia foi péssimo, tendo em conta as circunstâncias actuais. Hoje em dia, em Portugal, é muito difícil viver da fotografia, principalmente do fotojornalismo. A minha escolha teve que ver com o facto de ter percebido que não me sentia feliz nem realizada profissionalmente enquanto designer. Quando comecei a fotografar percebi que era aquilo que eu queria fazer.

(B): Em trabalhos anteriores (“Sem que soubesses que os anos passavam cá em casa”, “Casa Viva”, etc.) é visível a importância tanto do espaço como da presença de elementos inalteráveis perante a acção do tempo. Que importância dá a esta relação?
(LJ): Quando pretendo caracterizar uma situação ou realidade, não consigo dissocia-la dos espaços que a envolvem. Um espaço onde determinada acção ocorre pode dizer-nos muito sobre essa acção. Para mim são aspectos indissociáveis.  Depois há a questão da nossa efemeridade e dos os espaços permanecerem para lá de nós .

(B): “Arrefeceu a cor dos teus cabelos”, projecto vencedor do concurso Novo Talento Fnac 2011, revela-nos a vulnerabilidade a que estamos sujeitos, enquanto ser humano, à medida que o tempo evolui. Tanto o espaço como o tempo são incertos, até que ponto esta narrativa visual pode ser transportada para a realidade?
(LJ): Esta narrativa parte da realidade, na medida em que a ideia para o trabalho surgiu da análise que faço  dos outros e de mim própria. As pessoas que surgem no trabalho atravessam, efectivamente, nas suas vidas, um desses momentos em que analisam a sua existência e reconhecem ter mudado. O universo que as imagens transportam é real.

(B): “A imagem que abre o portefólio de Lara Jacinto é um desses bons exemplos de síntese visual onde apetece repousar o olhar.” –  Sérgio B. Gomes; o impacto que a imagem causa é brutal pela tensão que percorre o trabalho e pelo jogo de espelhos que acaba por colocar os protagonistas em causa. O porquê desta escolha para a abertura do projecto?
(LJ): Quando estava a editar o trabalho achei que esta imagem daria um bom ponto de partida para o que se seguia. nela estão expressas a tensão e a estranheza perante o que cada um vê diante de si.
Julgo que tem capacidade de sintetizar o que pretendi expressar no trabalho. Se dispensasse as outras imagens, conseguiríamos, a partir da observação desta, perceber a ideia.

(B): “A volatilidade do mundo sempre me atraiu, numa mistura de entusiasmo e melancolia. (…) Na observação que faço dos outros, noto que há alturas da vida em que o reconhecimento da alteração do estado das coisas acontece de uma forma profunda e assoladora. Na impossibilidade de repetição das coisas há um sentimento de perda e de ausência. É isto que me interessou explorar.” 
Quem observa o trabalho pode entende-lo como melancólico, trágico, triste. A Lara já dissera, numa entrevista, que não considerava as suas fotos tristes mas reveladoras de uma sensação de “apaziguamento”. Quer explicar melhor este sentimento?
(LJ): Isso tem que ver com o facto da consciência de que o tempo “tudo apaga e desfigura”, não significar um permanente estado de tristeza radical. é apenas uma constatação, com a qual vivemos. A ideia da perda irrecuperável dos instantes é algo que nos assola, mas que é irremediável. Aceitamos esse facto e conseguimos viver com isso a maior parte do tempo.


(B): “O trabalho fala sobre um estado de espírito que pode acontecer a qualquer pessoa: a dada altura, apercebermo-nos que o tempo passa por nós, percebermos que cada dia é uma perda irreparável“; Com este trabalho, o observador é levado a questionar-se sobre a percepção que tem de si, isto é, toma consciência da sua fragilidade perante o tempo. Como encara esta perspectiva?
(LJ): Julgo que ao longo das nossas vidas existem momentos que nos fazem ter consciência da nossa vulnerabilidade à passagem do tempo. É provável que, ao observar este trabalho, o espectador faça essa análise. Quando fiz o projecto não tive como objectivo provocar determinado estado de espírito no espectador, foquei-me apenas em conseguir que as imagens expressassem o que procurava.

(B): A diversidade apresentada no trabalho acaba por apelar a um registo documental. Este trabalho acaba por encerrar-se ou mantém uma narrativa em aberto?
(LJ): Não penso que estará encerrado porque o meu interesse pelo tema mantém-se. Continuo a documentar a evolução do universo que explorei.


(B): Figurar numa galleria de vencedores como Miguel Godinho, Nelson d’Aires, Frederico Azevedo, Inês d’Orey, Hugo Rodrigues Cunha, entre tantos outros, fá-la sentir num novo patamar artístico com outros objectivos?
(LJ): Sinto-me feliz com este prémio porque significa que o trabalho que faço tem qualidade e interesse para os outros. Mas os meus objectivos não mudaram, nem me sinto num patamar diferente. As minhas dúvidas, inseguranças e fragilidades continuam a existir.

(B): No proximo mês, realiza-se a cerimónia de entrega do prémio e inauguração da sua exposição no Novo Talento Fnac Fotografia 2011. A mesma irá percorrer o país nas lojas Fnac, tem novos projectos/iniciativas para o futuro que queira divulgar?
(LJ): Tenho ideias para projectos que gostaria de desenvolver. Algumas estão a ser postas em prática.