Através da lente de Sebastião Salgado



O post que se segue é da autoria de Joana Silva Alexandre e Ana Sofia Santos, alunas da Escola Superior de Design. O tema é "Fotografia como crítica social" e o fotógrafo que serve de base é Sebastião Salgado. Este fragmento de texto faz parte de um trabalho muito mais completo mas que, aqui, apenas está presente parte dele.





Não trabalho com a miséria, mas com as pessoas mais pobres. Elas são muito ricas em dignidade e buscam, de forma criativa, uma vida melhor. Quero com isso provocar um debate. A nossa sociedade é muito mentirosa. Ela prega como sendo única a verdade de um pequeno grupo que detém o poder.
Sebastião Salgado, em entrevista a Revista Sem Fronteiras, N° 250, Maio 1997, p.5

Esta obra é um excelente exemplo de como a fotografia é um óptimo veículo de transmissão de ideias, para alertar e despertar as consciências e de como Sebastião Salgado é exímio a mostrar estas realidades, que nos parecem tão distantes, através de uma objectiva.

O Menino sendo pesado é de 1985, mas apesar de terem passado 26 anos, a fotografia e a mensagem que esta carrega permanecem actuais pois, infelizmente, a fome ainda continua a ser um dos grandes problemas da nossa sociedade.

Esta fotografia não se trata só de um exemplo de fotojornalismo de Sebastião Salgado, mas também da forma como este consegue transmitir beleza e misticismo numa fotografia que mostra a dura e cruel realidade deste menino. Com o uso do branco e preto, tão característico dos seus trabalhos, Sebastião Salgado realça o lado dramático do problema retratado, fazendo com que o publico se relacione mais facilmente com a obra, ou seja, a imagem não seria tão poderosa a cores como é a preto e branco pois o contraste entre o branco e o preto, a luz e a sombra é mais evidente e pronunciado, o que faz com que o observador reaja mais rapidamente, crie empatia com o que está a ver. Com isto, pretende-se que o observador, usando essa relação de empatia e os sentimentos que lhe foram provocados, desperte e tome acção relativamente ao problema retratado, que neste caso é a fome e a subnutrição infantil. 

A utilização da luz natural e o facto de o autor passar várias semanas a conhecer as pessoas e as suas circunstâncias faz com que a comunicação que se estabelece com essas mesmas pessoas se traduza numa imagem que capta a alma dos retratados (ALBORNOZ, C. V., 2005, p. 96). Nesta imagem, é visível a intimidade e o à-vontade estabelecidos entre o fotógrafo e quem está a ser fotografado, como se a sua presença fosse tão vulgar que a cena resplandece de naturalidade.

Essa naturalidade e, principalmente, a intimidade são raras no fotojornalismo, mas este não é só mais um menino subnutrido, cujos ossos apenas estão cobertos de pele e cuja realidade se encontra muito distante daquilo que é o nosso dia-a-dia. Mas para este menino aquele é o seu dia-a-dia e a fotografia permite-nos que a partir dela possamos formular como será esse dia-a-dia. Podemos pressupor que este é um menino que não tem uma infância fácil, passa fome, vive em condições precárias de habitação, não tem acesso a cuidados de saúde e, provavelmente não tem possibilidades de estudar.

Para além da enorme vulnerabilidade e fragilidade do menino a ser pesado, podemos ainda observar o ambiente que o envolve, um pano de fundo inóspito: desde a lanterna até aos pormenores do canto inferior direito e o chão de areia, tudo carrega a mensagem de pobreza, tudo nos indica um sítio onde não gostaríamos de ter as nossas crianças a viver. 

Isto remete-nos para o que Carla Albornoz (2005, p. 96) define como os três elementos essenciais para uma fotografia ser considerada jornalística:
1. Temporalidade: a imagem reflecte o acontecimento que se está a retratar;
2. Objectividade: a mensagem que a imagem transmite é a representação honesta dos factos;
3. Narrativa: a imagem em conjunto com os outros elementos da notícia deve dar ao leitor/observador a informação necessária sobre as circunstâncias do acontecimento.

Tendo isto em conta, podemos dizer que esta imagem reflecte o acontecimento e não só o reflecte como pode ser o “rosto” de outros acontecimentos semelhantes. Quanto à objectividade, a imagem é uma representação honesta dos factos, pelo menos levando em consideração todo o trabalho demonstrado por Sebastião Salgado, mas podemos arriscar e dizer que os sentimentos do fotógrafo não foram postos de lado e que estão presentes na imagem pois quem usa o seu tempo para conhecer e se interessar pelos problemas daqueles que são invisíveis para a maioria, não consegue ficar indiferente e impermeável face a esta jovem vida. E, finalmente, quanto à narrativa, apesar da imagem não ser acompanhada por outros elementos, ela sobrevive sozinha e, sozinha, consegue contar a sua própria história, que tal como referimos anteriormente, é uma historia de pobreza, de fome desta criança e de tantas outras.

Por fim, o facto de na imagem estar uma criança e não uma pessoa adulta reforça a emotividade e torna-a mais poderosa pois as crianças são inocentes, não conhecem a vida como acontece com os idosos, são a esperança, são o nosso futuro e ver o nosso futuro passar por um inicio de vida tão conturbado e violento é triste e faz-nos reflectir sobre o tipo de sociedade em que vivemos: uma sociedade que permite que as crianças passem fome, morram porque não têm alimento para crescerem e brincarem como qualquer criança faz. Esta, na nossa opinião, é a maior crítica feita por Sebastião Salgado à nossa sociedade.