Paulo Nozolino. O terror a preto e branco dividido por três


O mesmo fotógrafo que em 2006 recusou receber o prémio BES Photo inaugura hoje – no BES Arte e Finança – “Usura”, o nome dado à prática de cobrar juros excessivamente altos. O título da exposição deve gerar leituras dúbias, mas o próprio Paulo Nozolino garante que baptizou as suas fotografias devido a um poema de Ezra Pound. Esquecendo por momentos a possível controvérsia, o próprio Nozolino decide redefinir a nossa atenção: quando questionado sobre a prática fotográfica, a resposta é fugaz: “Isso não interessa, é olhar e perceber o que sente”.

“A fotografia é, e sempre será, um trabalho de registo de memória”, indica o fotógrafo de 57 anos. Neste caso, as memórias são as desolações da humanidade, desde o holocausto ao 11 de Setembro. Sem localizações geográficas específicas em legenda (lembrem-se que isso não interessa), a invasão ao Iraque ou as ruínas de Chernobyl são impressas a preto e branco, num espaço intemporal, à procura da nossa sensibilidade e não de uma lição detalhada e pedagógica.

“Em Julho passado fui para Sarajevo, que tinha acabado de ser bombardeado. Vi uma sala que estava toda destruída, no chão estavam centenas de páginas de livros. As pessoas de Sarajevo tinham agora de apanhar páginas do chão para ler. No fundo, estes trípticos são nove páginas rasgadas de um livro de história”, explica o autor sobre as nove obras expostas.

“Usura” é a primeira exposição a reunir os nove trípticos do fotógrafo, permitindo que exista uma linguagem comunicativa entre três imagens em simultâneo. Como se a própria escuridão retractada não bastasse, as salas do BES Arte e Finança, com iluminação mínima, obrigam a encarar de frente as milhares de pessoas que o passado vitimou. “Neste momento enfrentamos a banalização do olhar”, lamenta Nozolino, acrescentando ainda que, “as pessoas convenceram-se que deixou de haver tempo para verdadeiramente olhar para uma imagem”. A reflexão é o único modo de estar, a consequência de não corresponder a este chamamento é a perda de informação. “Temos de parar porque se não morremos”, aconselha.

“Estou a prestar homenagem aos mortos, a nova geração já não se lembra do que aconteceu na Segunda Guerra Mundial”, indica. Enquanto percorre os trípticos, o fotógrafo observa atentamente nas sombras a reacção do público. Este é o resultado de dez anos de trabalho, expostos para os que vão passar socialmente com pressa pelas imagens e os que estão dispostos a deixar-se absorver. “Dois anos são o passado e cinco são história”, diz, concluindo que “não nos podemos esquecer que o mundo existe há muito tempo”.

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